PR, Social e Marketing: um olhar assumidamente enviesado sobre Cannes Lions
Impacto social, estratégias longevas e humor chamam a atenção entre os premiados. E uma semana difícil para a inteligência artificial (como se isso fosse possível)
Olá, humanos! Como estão? Gente, posso falar uma coisa? Eu amo ver vocês chegando. Noto cada acréscimo no volume de assinantes da No-Loop. Mas, quando atinjo números redondos, como 150, dá também um certo frio na barriga. Já tem muita gente aqui que não conheço. É uma delícia e também preocupante: como me faço interessante para elas, para vocês? Newsletter é muito diferente de vídeos de 30 segundos entregues para amigos e colegas de trabalho ou empurrados por um algoritmo. Dá vontade de encontrar todo mundo pessoalmente, trocar idéia - quem sabe um dia? Enquanto isso, fiquem à vontade para contar o que mais gostam de ver por aqui, o que sentem falta, o que acham útil. Ajudem essa não-blogueira e não-influencer a ajustar a rota, combinado?
Hoje me deu vontade de fazer um recorte dos vencedores de Cannes, como forma de diversão e inspiração. Nossa internet costuma falar bastante dos prêmios clássicos e daqueles que vem para o Brasil, mas eu gosto de checar as categorias mais próximas de PR, social e marketing de forma geral. Na galera que ficou no topo, tem pouca menção à inteligência artificial, muito impacto e, claro, um tanto de polêmica. Depois, devo passar também por alguns textos que ganharam o mundo essa semana com palavras nada elogiosas à AI. Vocês sabem que eu uso direto e procuro estar sempre testando apps novos - acabei de me render e assinar também a inteligência artificial do Google - mas ao mesmo tempo sou bem crítica da tecnologia.
Semana passada by NotebookLM:
“Esqueça o peixinho dourado. Conheça a nova anatomia da atenção e as melhores formas de capturá-la”
Cannes Lions premia em dez categorias: Classic, Craft, Engagement, Entertainment, Experience, Good, Health, Strategy, Titanium e Young Competitions - que se desdobram em subbcategorias. Engagement, por exemplo, tem seis; enquanto Strategy tem duas. Por sua vez, cada uma dessas que estou chamando de subcategorias (não sei se o nome correto é esse), distribui uma variedade grande de prêmios, do Grand Prix aos Ouros, Pratas e Bronzes. Ou seja, é Leão que não acaba mais.
Vou começar com o Grand Prix de Creative B2B que, como vocês podem imaginar, celebra a criatividade da comunicação relacionada a produtos e serviços desenvolvidos para atender negócios.
Quem viu a última temporada de White Lotus vai reconhecer o protagonista da campanha na hora. Para divulgar o serviço GoDaddy Airo, inteligência artificial focada no desenvolvimento de sites, a marca se juntou ao ator Walton Goggins e criou uma marca de óculos (goggles, em inglês).
De todos os Grand Prix que separei, esse é o único que fala em inteligência artificial. Acho bacana a forma como a campanha ganha a vida real e o fato de a aposta ser em um storytelling longo.
Em seguida, vamos para a grande polêmica do ano - pelo menos por aqui e até agora. A DM9 ficou com o Grand Prix de Creative Data por uma campanha feita em parceria com a Whirlpool. Só que logo depois surgiram informações sobre dados inconsistentes no videocase. Agora há pouco, vi post de gente enfurecida chamando a agência e a marca à responsabilidade, mas, aqui, vou deixar apenas o conteúdo do Meio&Mensagem porque, como diz a internet, “não quero perder meu réu primário”.
A iniciativa da Consul foi permitir que as pessoas comprassem eletrodomésticos novos usando a economia na conta de luz, causada pelo fato de eles serem mais eficientes. A premiação me chama a atenção por dois pontos que se repetem em outras campanhas celebradas: impacto social e a necessidade de mostrar que chegou aos noticiários, que virou assunto.
Assim como no case acima, o próximo parte de um insight socioeconômico. Em PR, quem ganhou foi Lucky Yatra, da FCB, desenvolvido para o sistema ferroviário da Índia, o maior do mundo - com 24 milhões de passageiros por dia e no qual 41% das pessoas viajam sem ticket (ou viajavam). Como o país também é obcecado por loterias, a ideia foi transformar as passagens em bilhetes.
Não sei vocês, mas eu às vezes tenho dificuldade de entender porque uma determinada campanha ganhou na categoria X e não na Y. Ainda assim, reparem como as coisas começam a se repetir: como o impacto social e o que resolvi chamar de empatia.
Agora vamos para o Grand Prix de Social & Creator, da Ogilvy, um dos meus favoritos. Há muito tempo, numa galáxia muito, muito distante, a Espalhe desenvolveu um storytelling semelhante para Halls. A marca ia relançar o sabor uva verde e toda a campanha foi feita a partir de menções de fãs nas redes, que pediam encarecidamente a volta do drops. Além de muito conteúdo, rolou até busto dos responsáveis pelos melhores comentários, feito de Halls uva verde.
A iniciativa estava tão alinhada com a postura consumer centric e fez tanto sucesso que esses bustos, depois de serem expostos em estações de metrô, ficaram bastante tempo na recepção da sede da empresa.
No case abaixo, o ponto de partida foram os hacks que a comunidade cria, usando Vaselina. Tem literalmente de tudo e a marca resolveu testar os mais populares em laboratório e distribuir selos "Verificado” para os que realmente funcionam e são seguros. Os creators, então, viraram dealers de Vaselina. A estrutura não é inédita, mas ainda assim o insight é muito real e, a execução, bem feita e naturalmente bem humorada.
Como disse o Michel na minha news anterior: “Ser relevante em 2025 não tem nada a ver com ser a favorita e, sim, em estar vivo na cultura".
Agora vem dois que foram criados para instituições:
Brand Experience & Activation; para a Academy of Motion Picture, Arts & Sciences
Innovation; para Museum for the United Nations
A gente sabe que Cannes sempre recebe inscrições que juntam agências e clientes com missões mais distantes do varejo - e associadas à educação, ajuda humanitária ou outras causas nobres. Esse é o caso aqui. A FCB apresentou o projeto de atualização das legendas de cinema, de forma a deixá-las mais eficientes e inclusivas. E a AKQA contou a história do modelo de negócio que reserva à natureza o lugar - e os royalties - de artista.
Creative Strategy foi para uma iniciativa que completou 20 anos em 2024 e vem sabendo acompanhar o espírito do tempo e se reinventar: a plataforma Real Beauty, de Dove. Da emocionante série Sketches à homenagem aos enfermeiros na linha de frente do Covid, passando por mudanças na legislação e um projeto que já impactou 94 milhões de crianças, a campanha é um merecido e longevo sucesso.
Chegando ao fim da minha lista, temos o Grand Prix de Titanium, uma categoria que, segundo os organizadores, celebra a criatividade “game-changing”. Mais uma vez, o impacto social é condição indispensável.
O grande vencedor foi “Three words", da seguradora Axa. Trata de uma iniciativa para modificar contratos de forma a fornecer relocação imediata para mulheres vítimas da violência doméstica. Mais de 120 pessoas foram ajudadas ainda no primeiro mês.
A categoria premiou também Caption with intention e Vaseline Verified, que a gente já viu aqui. E uma terceira campanha que não citei, mas todo mundo deve conhecer: Pedigree Caramelho, da AlmapBBDO para Pedigree.
Como bônus, vou deixar linkados dois resultados do Young Lions: Marketers e PR. Não tem esses fancy videocases, mas vale dar uma checada.
No final das contas, minha curadoria destaca seis pontos (que desconfio sejam importantes em outros recortes também):
Impacto social: esse eu já citei bastante ao longo do texto. Não é só o Innovation que impacta aspectos fundamentais da vida de pessoais reais. Várias outras entregas constróem fortaleza a partir dessa possibilidade, falando de acessibilidade, inclusão, sustentabilidade.
Conexão com o negócio: mais do que vender produtos e serviços, fala-se da marca a partir da criação ou adaptação de produtos e serviços. É conexão com o negócio a ponto de modificá-lo.
Valorização dos desdobramentos de PR: essa tendência não é nova, mas continua crescendo. Postulantes de várias categorias se preocupam em provar que a ideia ganhou o noticiário, movimentou as redes sociais, mobilizou stakeholders. Pra quem é jornalista e foi parar em agência meio que como um patinho feito, é curioso perceber que a capacidade de virar notícia - seja no jornal ou no bar - é hoje condição fundamental.
Empatia: vai além do insight real. Tem uma leitura da realidade, um conhecimento local que sugerem o sentimento.
Humor: always and forever.
Estratégias longevas: este é outro item que aquece meu coração. Mais uma vez, vou citar a news anterior: “A memória simbólica não nasce de um grande gesto isolado, mas da repetição qualificada de interações coerentes. É resultado da exposição distribuída e significativa, com variações contextuais e coesão narrativa".
O que acharam? Sentiram falta de alguma coisa?
Afinal de contas: a IA está nos deixando mais burros?
Essa semana, a inteligência artificial levou duas trauletadas, uma aqui mesmo no Brasil e outra do MIT. O fato não chega a ser novidade. Assunto hypado, já viu: toda hora tem uns figurões dizendo que a AGI está na esquina e outros questionando tudo.
O que achei interessante é que as adições da semana não radicalizam nem para um lado, nem para outro; o que costuma ser um bom sinal. Em um evento na Febraban, o Nobel de Economia Paul Romer disse que, apesar de a IA fazer coisas incríveis, ela está estagnada por falta de dados para treinamento e talvez nunca chegue aos 100% de precisão. Romer afirmou que as pessoas estão usando a tecnologia de uma forma para a qual ela ainda não está pronta e chamou a atenção para uma agenda puxada mais pela busca do lucro do que pelo compromisso com a ciência.
“Se você quer implementar IA, não confie cegamente nos fornecedores. Experimente, compare grupos, confronte hipóteses. Para tomar decisões certas, é preciso usar experimentos, trocas abertas, discordâncias explícitas. O método científico funciona e está sendo deixado de lado.”
Já do MIT veio outro tipo de alerta. Uma pesquisa desenvolvida na instituição concluiu que o uso dos chatbots diminui o "desempenho neural, linguístico e comportamental”, além de tornar os usuários mais preguiçosos. A amostra do estudo é pequena, mas o output está alinhado com o de uma outra pesquisa recente, sobre a qual já falei aqui. A Microsoft se uniu a Carnegie Mellon para investigar a relação entre o uso de LLMs e o pensamento crítico. Mais uma vez, os chatbots como o ChatGPT não ficaram bem na foto.
Como essa iniciativa do MIT saiu em tudo que é lugar, muitas vezes sem o devido cuidado em entender do que se trata, achei que valia deixar aqui o post do Diogo Cortiz sobre o assunto. Duvido que muita gente tenha lido todas as 200 páginas do estudo, como ele fez. Eu sei que eu não li…
Como eu falei lá em cima e é óbvio para quem assina a No-Loop e/ ou me segue no Instagram, eu uso diariamente recursos de IA, tenho assistentes treinados para me ajudar no trabalho, estudo, testo; mas ao mesmo tempo me preocupo em manter uma crítica atualizada sobre a tecnologia. A No-Loop, por exemplo, é escrita por mim, do início ao fim. Resolvi que aqui eu me manteria em contato com a dor e a delícia da prática. Escrever me ajuda a organizar as idéias, fixar conceitos e exercitar a capacidade analítica. É isso, pessoal, seguimos com um olho no peixe, outro no gato.
Por hoje é só. Vou ver se volto em breve com minhas impressões sobre o Gemini pago. Até mais, bj!