Corram para as montanhas! Ninguém ensina a criar, resolver problemas e engajar tão bem quanto a natureza
De um keynote no Centro do Rio de Janeiro à Expo Osaka no Japão, ela aparece como benchmark para tecnologia e inspiração para marcas
Hello! Tudo bem com vocês, humanos? Estou desde segunda-feira revisitando um keynote do Fred Gelli, co-fundador e CEO da Tátil Design, uma das mais premiadas consultorias de branding e inovação do Brasil - e do mundo, por que não? Fred defende que devíamos nos inspirar na lógica e na ética da natureza para, não só garantir a sobrevivência do homo sapiens, mas construir futuros desejáveis. O storytelling é muito bom: criativo, educativo, engajador e prático. E chega, é claro, no avanço da tecnologia e no papel das marcas. Espero conseguir fazer justiça a ele aqui. Antes, porém, vamos ao já tradicional podcast da edição anterior.
Semana passada by NotebookLM:
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A conversa parte de uma constatação comum a tantos outros conteúdos: estamos vivemos um momento de inflexão, com crises simultâneas em todos os segmentos da nossa relação com o planeta. Nenhuma especialidade dá conta do nível de encrenca sozinha. Pra escapar dos cenários distópicos que abundam nas previsões e na ficção, será preciso estabelecer conexões. “Se não imaginarmos os futuros desejáveis, eles não acontecerão”, diz Fred.
É aí que entra uma entidade com bilhões de anos de experiência em P&D, entregando sempre criações opensource, sustentáveis e que geram valor compartilhado: a natureza. Três princípios estão presentes em tudo que ela faz:
Economia: a natureza tem verdadeira obsessão em garantir performance, gastando a menor quantidade de energia possível. "Basta ver uma gota escorrendo; ela sempre fará o caminho ótimo", diz Fred.
Ciclo: o planeta já passou por cinco extinções. Tudo que vemos vivo na Terra hoje representa 0,4% do que já existiu aqui. A gente não precisa salvar a natureza. O desafio evolutivo é nosso.
Interdependência: é o conceito de teia; em que você puxa um fio e tudo se mexe.
“Nós somos um bicho extravagante. A gente se refere às pessoas como consumidores, como se fôssemos cupins que estivéssemos aqui só para predar. Inventamos processos lineares, temos visão fragmentada, não entendemos a lógica da interdependência. Isso nos torna irresponsáveis, fazemos mudanças, pensando no impacto local, mas que acabam afetando a todos.”
Essa espetacular criadora já lidou com boa parte - se não todos - os problemas que nos afligem hoje, segundo o designer. O que responsáveis por planejamento urbano podem aprender com as colméias? Não seria o cérebro o melhor benchmark para os servidores? Há 2,8 bilhões de anos, tempo que a vegetação existe, a natureza capta energia de forma otimizada. Lixo? Nada se descarta nesse sistema.
Não somos os primeiros a ter que inovar para evoluir. A natureza vem fazendo isso há bilhões de anos, o tempo todo. Ela deve ser nossa inspiração.
O objetivo é migrar de uma economia divisiva e degenerativa para uma lógica distributiva e regenerativa. “Não é bom mocismo, é instinto de sobrevivência", afirma ele.
Sempre traçando paralelos com o mundo natural, Fred identifica um momento de entropia, quando as coisas se desorganizam como que a nos empurrar para o novo. "Não se trata de restaurar, porque a natureza não volta nunca, ela apenas segue em frente. É preciso regenerar e, para isso, teremos que semear".
O primeiro passo é garantir um sólo fértil, reflexão que o palestrante foi buscar nos escritos de Satish Kumar. O ex-monge e pacifista indiano-britânico lembra que humus, humano e humildade tem a mesma origem latina.
Precisamos reverter um processo de desumanização e aceitar que humildade não é fraqueza, é inteligência evolutiva. A maioria das empresas opera distante dessa noção e não entendeu ainda que, sem natureza, não há negócio acontecendo", pontua Fred.
Para espalhar as sementes do futuro que queremos, será preciso observar, imaginar, intuir e conectar - competências que o homo sapiens sempre teve, mas estão sendo ameaçadas pelo avanço da tecnologia. O objetivo de Fred não é condenar a inteligência artificial, mas questionar a forma com quem ela muitas vezes vem sendo adotada.
Espera-se que a ASI (Superinteligência artificial) tenha um QI de 5.000. O de Einstein estava em torno de 200. Somos uma zebra parindo um leão", compara. “Esta tecnologia é absolutamente genial, vai ser incrível, estão surgindo diversas oportunidades, mas ela vem com muitas ameaças também.
O designer lembra que já terceirizamos diversas capacidades para aplicativos: a escolha do caminho, quem abordar numa festa e o registro de números de telefone, por exemplo. Só que, agora, o que está em jogo são competências “estruturantes e estratégicas", das quais precisamos para resolver nossos problemas e projetar o futuro que queremos. “Se pararmos de intuir e imaginar, essas habilidades serão atrofiadas” , completa, lembrando que a natureza, obcecada por economia, para de colocar energia no que não está sendo utilizado.
INTUIR
Mas afinal, a intuição é uma força positiva? Foi para tentar responder a essa pergunta que Fred mergulhou no trabalho do psicólogo e economista Daniel Kahneman, prêmio Nobel de Ciências Econômicas em 2002. O achado surpreendeu: “não, ela não é; e de modo geral nos leva ao erro". O ponto, no entanto, é qual o papel do erro na inovação.
“Pneus vulcanizados, cerveja, pipoca, Ozempic, post-its… Tudo resultado de equívocos. Vivemos a cultura da performance e a verdade é que o erro é fundamental para a inovação. Precisamos garantir algum nível de experimentação em nossos projetos.”
IMAGINAR
Não é de hoje que a humanidade imagina futuros. Julio Verne imaginou que iríamos à Lua e ao fundo do mar. Os Jetsons, na década de 60, conviviam com TVs de tela plana, relógios inteligentes, robôs domésticos e casas inteligentes. O que a gente imagina tende a acontecer. E é aqui que o bicho pega, porque perto de 100% da nossa ficção científica hoje é distópica. "Temos pela frente um desafio criativo, vamos precisar imaginar um outro caminho", completa o palestrante.
Inventor do churrasquinho no ferro de passar e da piscina na caçamba da pickup, o brasileiro está habilitado para isso - assim como estão várias de nossas empresas e suas lideranças. Mais que habilitadas, elas estão sendo chamadas à responsabilidade.
Publicado anualmente pela Edelman e tema da minha primeiríssima newsletter, o extenso estudo Trust Barometer afirma que as pessoas hoje confiam mais nas empresas do que em ONGs, mídia ou governo.
“Marcas protagonistas não existem apenas para gerar valor aos acionistas. Elas tem a responsabilidade de impactar beneficamente todo o ecossistema do qual fazem parte. Até porque, assim conquistam os melhores talentos, diminuem riscos jurídicos etc.”
E como embarcar nessa jornada?
Fred tem horror à idéia de um “futuro verde": “A natureza detesta baixa diversidade. Quanto mais diverso é um ecossistema, mais rico ele é, mais resiste a pragas.”
O pensamento monocromático leva a estratégias “ecochatas", nas palavras do designer. E desemboca em produtos como o “Air Hobbit”, um famoso fail da Nike.
A sugestão é que cada marca encontre a sua "cor". No léxico da Tátil, esse é o chamado "lugar de potência": aquilo que cabe a cada um de nós e no que somos melhores que os outros.
É a partir deste espaço que se faz o engajamento das pessoas. Sim, porque sem ele não há transformação. A boa notícia é que já nos juntamos para mudar comportamentos antes, como quando os utensílios descartáveis surgiram, por exemplo. Espalhar bicicletas de boa qualidade e acessíveis é outra ideia que muda comportamento.
Em tempos de crise de atenção, individualismo e polarização, Fred volta mais uma vez à natureza: que estratégias ela usa para engajar suas audiências? A resposta, claro, passa pelo design, domínio do palestrante. Ainda assim, é encantadora e faz muito sentido.
“Enquanto suas sementes não estão prontas para germinar, o morango se mantém verde. Trata-se do antimarketing: não é doce nem atrativo. Flores têm estratégias de marketing e engajamento geniais; alinhadas com seus ‘públicos’. As que precisam atrair pássaros, são coloridas. As que dependem de insetos, são muito aromáticas. A natureza engaja por meio do desejo, não da culpa nem do medo. Engaja por meio do design.”
O que nos resta, agora, é sair para dar uma caminhada na praia e encontrar estratégias que tenham um pouco esse caráter.
Regenerar é o caminho para 2030
Gente, eu já estava com essa news bem encaminhada quando assisti a live da Monica Magalhães sobre a Expo Osaka e fiquei impressionada com os paralelos entre o que ela falou e a apresentação do Fred.
Futurista e criadora da Comunidade Disruptivos, a Monica esteve no Japão, visitando o evento que acontece de cinco em cinco anos. O país construiu uma ilha artificial para receber seus próprios pavilhões, os das nações convidadas e também alguns da iniciativa privada. São gastos muitos bilhões de dólares para que todos possam contar como estão endereçando as grandes questões da humanidade, com foco em 2030.
Eu, certamente, voltarei ao conteúdo dessa live em breve, mas, por agora, queria apenas mostrar como a Monica organizou tudo o que viu por lá. Espia essa imagem abaixo:
Lembra da forma de operar da natureza? Ciclos, Interdependência (que aqui vou chamar de coexistência). E o conceito de regeneração costurando tudo? Do Japão ao Rio de Janeiro, há um mesmo chamado: é preciso que a gente se reaproxime da natureza para imaginar o futuro que queremos.
“Nas culturas tradicionais, não existe uma palavra para designar a natureza. Ela e a nossa presença são a mesma coisa", conclui Fred.
Por hoje é só, pessoal! Espero que você consiga encontrar momentos de calma e contemplação da natureza ao longo da próxima semana. Bjs!
Acho demais a ideia do Fred, assim como a revolução sugerida por Kumar. Talvez seja pessimismo meu, mas estamos tão distantes de respeitar, valorizar e aprender a natureza. Nossa sociedade é egoísta e arrogante demais para isso, infelizmente.